Artigo: Nova Lei de Licitações - Procedimentos Auxiliares - Sistema de Registro de Preço - Peculiaridades do Edital - Por Marcelo Palavéri
Peculiaridades do Edital
O sistema de registro de preços será processado mediante licitação na modalidade concorrência ou pregão. Assim, seguirá as regras estabelecidas em um edital típico da modalidade escolhida.
O edital para o sistema de registro de preços, além das regras gerais, deverá dispor sobre:
Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre:
I – as especificidades da licitação e de seu objeto, inclusive a quantidade máxima de cada item que poderá ser adquirida;
II – a quantidade mínima a ser cotada de unidades de bens ou, no caso de serviços, de unidades de medida;
III – a possibilidade de prever preços diferentes:
- a) quando o objeto for realizado ou entregue em locais diferentes;
- b) em razão da forma e do local de acondicionamento;
- c) quando admitida cotação variável em razão do tamanho do lote;
- d) por outros motivos justificados no processo;
IV – a possibilidade de o licitante oferecer ou não proposta em quantitativo inferior ao máximo previsto no edital, obrigando-se nos limites dela;
V – o critério de julgamento da licitação, que será o de menor preço ou o de maior desconto sobre tabela de preços praticada no mercado;
VI – as condições para alteração de preços registrados;
VII – o registro de mais de um fornecedor ou prestador de serviço, desde que aceitem cotar o objeto em preço igual ao do licitante vencedor, assegurada a preferência de contratação de acordo com a ordem de classificação;
VIII – a vedação à participação do órgão ou entidade em mais de uma ata de registro de preços com o mesmo objeto no prazo de validade daquela de que já tiver participado, salvo na ocorrência de ata que tenha registrado quantitativo inferior ao máximo previsto no edital;
IX – as hipóteses de cancelamento da ata de registro de preços e suas consequências.
São 9 (nove) aspectos que devem estar especialmente dispostos no edital:
- I – as especificidades da licitação e de seu objeto, inclusive a quantidade máxima de cada item que poderá ser adquirida:
Há claras especificidades na licitação do registro de preços, que orientam algumas das regras do edital.
A primeira delas diz respeito à sua própria essência. Não estamos diante de um edital destinado a selecionar um futuro contratado, mas sim destinado a meramente selecionar preços, no mais das vezes unitários.
Da mesma forma, há a especificidade da desnecessidade da previsão orçamentária para as futuras despesas (vide item 41.4).
E destacadamente também as exigências de habilitação. Com efeito, essas exigências não se assemelham às de uma licitação tradicional, pois não há contrato certo, em quantidade certa. Assim, considerando que as exigências de habilitação, especialmente técnicas, se definem a partir do objeto contratado, é necessário considerar essa peculiaridade ao definir a fase.
Além disso, o preceito está a indicar a necessidade do edital considerar a quantidade máxima de cada item que poderá ser adquirida. Isso pode parecer um contrassenso, pois militam em sentido contrário até mesmo de uma das razões pelas quais se registram preços, recomendado dentre outras, nos momentos de indefinição quantitativa do objeto.
Seguimos entendendo que o registro de preços não obriga a contratação da totalidade indicada, deixando margem para a administração aferir suas necessidades ao longo da execução, gerando apenas uma expectativa de direito em relação ao objeto. Contudo, é salutar a norma indicadora na necessidade máxima, sendo apta a auxiliar o licitante na formulação de seus preços, e mesmo ao depois para permitir e orientar discussão a respeito de eventual cancelamento do registro, conforme se verá mais adiante.
A necessidade de indicação do total a ser adquirido, pode, contudo, deixar de existir, admitindo-se registro com indicação a unidades de contratação nas situações estabelecidas no parágrafo 3º, do artigo 86:
- 3º É permitido registro de preços com indicação limitada a unidades de contratação, sem indicação do total a ser adquirido, apenas nas seguintes situações:
I – quando for a primeira licitação para o objeto e o órgão ou entidade não tiver registro de demandas anteriores;
II – no caso de alimento perecível;
III – no caso em que o serviço estiver integrado ao fornecimento de bens.
- 4º Nas situações referidas no § 3º deste artigo, é obrigatória a indicação do valor máximo da despesa e é vedada a participação de outro órgão ou entidade na ata.
- II – a quantidade mínima a ser cotada de unidades de bens ou, no caso de serviços, de unidades de medida:
Conforme veremos ao longo desses comentários, será possível o licitante cotar preços para quantitativos menores que a totalidade (art.82, IV) estabelecida no edital. A regra aqui exigida do instrumento convocatório relaciona-se a isso: deve-se definir qual é essa quantidade mínima.
- III – a possibilidade de prever preços diferentes:
Pensando em hipóteses que justifiquem preços diversos, a lei admitiu que ao final venha a ter preços diversos para um mesmo objeto. E estabeleceu as situações em que anteviu a possibilidade. Admitiu-a quando o objeto for realizado ou entregue em locais diferentes; considerou possível em razão da forma e do local de acondicionamento; contemplou a hipótese de acontecer quando admitida cotação variável em razão do tamanho do lote; e ainda deixou margem para outras situações quando houver outros motivos justificados no processo.
Vale dizer que a necessidade de tratar os temas aqui comentados não significa que necessariamente devem ser admitidos pelo edital. Com efeito, existem temas, como o agora em destaque, em que a administração pode verificar a ausência de situações a justificar a sua previsão (no caso a previsão de preços diferentes). Nessas situações, a eventual ausência de norma poderá ser indicativa de que determinados aspectos não serão normatizados.
- IV – a possibilidade de o licitante oferecer ou não proposta em quantitativo inferior ao máximo previsto no edital, obrigando-se nos limites dela:
O inciso IV relaciona-se com o inciso II. Se a administração entender por contemplar a possibilidade do licitante ofertar proposta em quantitativo inferior ao máximo previsto, deverá fixar no edital qual a quantidade mínima admitida. É mais um dos temas em que não há obrigatoriedade de admitir a regra, incidindo a possibilidade de escolha, de acordo com a conveniência e oportunidade.
- V – o critério de julgamento da licitação, que será o de menor preço ou o de maior desconto sobre tabela de preços praticada no mercado:
O edital deve obrigatoriamente estabelecer o critério de julgamento do registro de preços, que somente poderá ser o de menor preço ou o maior desconto sobre tabela de preços praticada no mercado.
A adoção dessas tabelas sempre gerou discussão no âmbito da jurisprudência, agora pacificada pela expressa previsão de sua possibilidade. A regulamentação e o edital, contudo, precisam ser claros quanto à utilização dessa hipótese.
- VI – as condições para alteração de preços registrados:
O edital deverá estabelecer regras sobre os preços registrados, e como serão reajustados. Essas normas são fundamentais em especial pelo fato de que a ata de registro de preços pode ter seu prazo de vigência prorrogado, perdurando por até 2 (dois) anos. Recorde-se também as regras do artigo 25 sobre o edital, especialmente as dos parágrafos 7º e 8º .
- VII – o registro de mais de um fornecedor ou prestador de serviço, desde que aceitem cotar o objeto em preço igual ao do licitante vencedor, assegurada a preferência de contratação de acordo com a ordem de classificação:
Essa importante hipótese deve ser pensada no momento do edital, e trará benefícios práticos para o sistema. Consiste em admitir que mais de um licitante registre preço se aceitar fazê-lo pelo preço do vencedor. Assim, o vencedor terá seu valor registrado e preferência assegurada para a execução da ata e eventuais contratações. Contudo, outros interessados em seguir seu valor ficarão na expectativa de executar algo, seja por impossibilidade do vencedor fazê-lo, seja nas hipóteses de adesão de não participantes, os “caronas”.
- VIII – a vedação à participação do órgão ou entidade em mais de uma ata de registro de preços com o mesmo objeto no prazo de validade daquela de que já tiver participado, salvo na ocorrência de ata que tenha registrado quantitativo inferior ao máximo previsto no edital:
Essa regra é pensada em clara e necessária proteção ao vencedor da disputa licitatória. Firmada a ata, a administração pode até não contratar (artigo 83), contudo não pode livremente participar de outra ata com mesmo objeto no prazo de validade da primeira, exceto no caso de ter sido registrado quantidade inferior ao previsto no edital.
A rigor, a ideia é a de que execute o que licitou, para depois buscar outras atas para suas necessidades.
A falha que permanece na redação, a nosso ver, consiste no fato de que passado o momento de definição do objeto, de fixação do quantitativo, poderá haver mudança das necessidades da administração, ampliando suas demandas, exigindo que aumente os quantitativos a serem contratados. Pensamos que nessas condições, desde que justificadas, será possível valer-se de outras atas, esgotando-se antes os quantitativos da primeira.
Esse debate carrega consigo a discussão do limite do que poderá ser contratado pelo detentor da ata, seja gerenciador, seja participante (vez que aos não participantes o limite é estabelecido pelo artigo 86, parágrafo 4º – 50% dos quantitativos contratados).
Em um primeiro momento, diante do contexto legal estabelecido pela Lei 14.133/21 para o sistema de registro de preços, o fato de se tornar necessário indicar o quantitativo máximo do objeto a ser licitado, induz à ideia de que o contrato(s) futuro(s), ou seja a execução da ata, restringe-se a esse objeto definido, permitindo-se quando muito os acréscimos unilaterais autorizados pela lei em seu artigo 125:
Art. 125. Nas alterações unilaterais a que se refere o inciso I do caput do art. 124 desta Lei, o contratado será obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato que se fizerem nas obras, nos serviços ou nas compras, e, no caso de reforma de edifício ou de equipamento, o limite para os acréscimos será de 50% (cinquenta por cento).
O que acontece, no entanto, se essa necessidade aumenta além desse montante? Deverá necessariamente realizar outro registro, ou pensar em outra via para contratar, podendo inclusive aderir a ata de terceiros para tanto? Se for assim, porque não pensar na possibilidade de ampliar ainda mais o seu registro, contratando além do limite fixado no edital e dos acréscimos legais definidos acima? Pensar nessa hipótese não nos parece absurdo, ainda mais se considerarmos que em determinadas situações se autorizará terceiros – “caronas” – a contratarem o objeto licitado por até o dobro do quantitativo indicado inicialmente.
Em uma leitura hipotética teríamos a situação absurda de que uma entidade gerenciadora de uma ata de registro, ao consumir o total que indicou no certame, ficaria adstrita a aditar o contrato em até 25% (limite do artigo 125) e depois disso precisaria novamente licitar o objeto, ou aderir a ata de terceiros, ao mesmo tempo em que daria autorização a terceiros a utilizarem sua ata por mais o dobro do que licitou. É de se pensar se essa é a ideia que preside o sistema.
- IX – as hipóteses de cancelamento da ata de registro de preços e suas consequências:
O edital e mais especialmente o regulamento a ser editado para normatizar o registro de preços, deverá prever as hipóteses de sua extinção, espelhando-se no estabelecido pelo artigo 137 da Lei 14.133/21 que fixa as hipóteses de extinção do contrato (aqui extingue-se a rigor a ata, fruto do registro, com marcadas características semelhantes ao contrato).
Parece-nos que a lei ao falar em cancelamento teve em mente as situações que levam à sua extinção.
Merece, nesse sentido comentar, a situação recorrente nas execuções de atas de registro de preços, de flutuação dos preços registrados em relação aos apurados no mercado.
Primeiro, relembre-se que as comparações somente serão válidas se efetivamente refletirem as mesmas condições de um mercado público consistente, adotada com base no que a Lei disciplinou no artigo 23.
Nessas circunstâncias, os preços do registro podem destoar dos de mercado para mais, ou para menos.
Ficando inferiores aos de mercado (para menos), e o particular definindo que não irá aceitar a execução, o registro deverá ser extinto, cancelado, sem que se aplique sanções. Com efeito, não se poderá majorar os preços e valores, exceto nas hipóteses legais admitidas de reajuste, e se não estiverem presentes, devem levar ao reconhecimento de que o detentor do preço registrado deve ser liberado de suas obrigações, caso entenda por não manter os preços que estão abaixo dos de mercado.
Ficando, por sua vez, superiores aos valores de mercado (para mais), deve a administração entabular negociação com o detentor da ata, nos termos preconizados pelo edital e pelo regulamento (o antigo Decreto Federal 3931/01 que no passado disciplinou esse procedimento, contém em seu artigo 12 regra interessante que pode servir de guia na normatização do tema), e se não houver acordo quanto à redução, liberá-lo de seus compromissos, sem ônus.
Finalmente, conforme estabelecido pelo artigo 82, parágrafo 1º, o edital deverá fixar como regra que o julgamento do registro de preços dar-se-á por item. Essa é a forma reputada pela lei como sendo a que melhor se amolda ao sistema.
Contudo, admite-se exceção quando for demonstrada a inviabilidade de se promover a adjudicação por item e for evidenciada a sua vantagem técnica e econômica. Diz o parágrafo 1º, complementado pelo parágrafo 2º, do artigo 82:
- 1º O critério de julgamento de menor preço por grupo de itens somente poderá ser adotado quando for demonstrada a inviabilidade de se promover a adjudicação por item e for evidenciada a sua vantagem técnica e econômica, e o critério de aceitabilidade de preços unitários máximos deverá ser indicado no edital.
- 2º Na hipótese de que trata o § 1º deste artigo, observados os parâmetros estabelecidos nos §§ 1º, 2º e 3º do art. 23 desta Lei, a contratação posterior de item específico constante de grupo de itens exigirá prévia pesquisa de mercado e demonstração de sua vantagem para o órgão ou entidade.