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Artigo: Nova Lei de Licitações - Procedimentos Auxiliares – Credenciamento - Marcelo Palavéri.

Credenciamento

 

Uma das críticas mais correntes à Lei 8.666/93 é no sentido de que seus termos não permitem promover licitações para todos os objetos de que
o poder público necessita, sendo que, muitas vezes, na verdade, o poder público sequer objetiva selecionar um único futuro contratado, estando diante de situações onde estabelece regras e almeja contratar todos aqueles aptos a lhe oferecer determinado serviço, sem que ocorra necessariamente a competição.

Vale aqui a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo o qual, “quando as normas regentes da licitação forem induvidosamente inadaptadas ao caso, terá de existir, pelo menos, algum procedimento capaz de assegurar tratamento impessoal, que enseje iguais oportunidades a quantos desejem acender a ela” [1].

Nesses casos, a solução que se apresenta é o credenciamento, procedimento que não encontrava guarida na Lei 8.666/93, na sua integridade, mas que mesmo assim passou a ser adotado, por permitir o respeito aos princípios básicos da igualdade, e seus corolários, e da moralidade.

Assim, o credenciamento, que não é modalidade licitatória, desde então se apresenta como alternativa a ser adotada pelo poder público em situações de contratação de serviços, onde não poderá promover a licitação nos moldes clássicos disciplinados e admitidos pela lei.

A respeito, ainda em comentários à lei pretérita, ensina-nos Marçal Justen Filho que no sistema de credenciamento “elabora-se um regulamento (similar ao próprio edital) no qual constam as condições indispensáveis para contratação, dando-se ampla publicidade (nos moldes contidos no art. 21, I a III, da Lei n. 8.666/1993) para que os interessados possam dele tomar conhecimento. Em regra, após prévia pesquisa de mercado, estima-se o preço a ser pago, com os interessados que preencherem as condições previstas no regulamento aprovado pela autoridade competente a ele anuindo; daí, aliás, a desnecessidade de celebração de vários contratos”.

Esse procedimento, bastante difundido, para alguns autores, pressupõe-se tratar de situação em que é inviável a competição, estando o poder público diante de caso de inexigibilidade de licitação, face a esse fato, enquadrando-o, até então, de forma genérica no caput do artigo 25 da Lei 8.666/93.

O credenciamento permite buscar todas os sujeitos que preencham as condições exigidas em Edital e aceitem a prestação do serviço desejado, fazendo com que, quanto mais credenciados, mais adequada se faça a satisfação da atividade.

Nesse passo, vem sendo aceito e considerado legal em especial pelo Tribunal de Contas da União, que o adotou inclusive para regulamentar a contratação de sua assistência médica. No referido processo o Ministro Homero Santos asseverou: “(…) uma particularidade do CREDENCIAMENTO é que permite buscar em todas as empresas e profissionais que preencham as condições exigidas e aceitem a prestação do serviço desejado, fazendo com que, quanto mais conveniados ou credenciados, mais adequados à plena satisfação dos serviços desejados. Por outro lado, nos demais conceitos de isonomia e moralidade administrativa, tem-se o juízo de valor emanado do grupo social de beneficiários da assistência a que se destina o contrato, que dentre as empresas e profissionais prestadores dos serviços médicos, escolhem aqueles de sua preferência, seja pelo desempenho, experiência ou reputação, seja pela organização, aparelhamento, equipe técnica, ou outros requisitos relacionados com suas atividades, expungindo-se dessa forma qualquer nódoa de favoritismo ou imoralidade na contratação. Outrossim, pela nova lei sobre Licitações Públicas, o critério predominante será o PREÇO. E, até nesse particular, seria ilógico pretender-se buscar o menor preço, quando se sabe que para todos os profissionais e empresas credenciadas, o TCU pagará o mesmo preço”.[2]

São do mesmo julgador as seguintes considerações: “Especialmente sobre a questão da inexigibilidade de licitação conclui-se, com base nos posicionamentos doutrinários a respeito desse tema, que o credenciamento de serviços de assistência médico-hospitalar pode ser incluído entre os que atendem às condições legais ensejadoras da exceção à regra de observância prévia do procedimento licitatório, considerando-se, ainda, as particularidades de que se reveste o procedimento, como a contratação irrestrita de todos os prestadores de serviços médicos, pessoas físicas ou jurídicas, que preencham as condições exigidas; fixação, de forma antecipada, do preço dos serviços; e a escolha pelos próprios beneficiários, entre os credenciados, de profissional ou instituição de sua preferência” [3].

Com clara orientação na jurisprudência do Tribunal de Contas da União, a Lei 14.133/21 houve por bem normatizar a matéria, em seu artigo 6º, XLIII, definindo-o como processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados.

 E na sequência, o artigo 74, III, institui o credenciamento como hipótese de inexigibilidade de licitação, diante da evidência de que seu procedimento redunda na ausência de competição, permitindo a contratação direta:

Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:…

IV – objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento;

Com isso, nos termos do regulamento, a administração vale-se de edital para convocar interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados.

A ideia central é a inexistência de disputa, de competição, a justificar a inexigibilidade.

Bem por isso, estabeleceu-se no artigo 79 as hipóteses em que poderá ser utilizado:

Art. 79. O credenciamento poderá ser usado nas seguintes hipóteses de contratação:

I – paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas;

II – com seleção a critério de terceiros: caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação;

III – em mercados fluidos: caso em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação.

Parágrafo único. Os procedimentos de credenciamento serão definidos em regulamento, observadas as seguintes regras:

I – a Administração deverá divulgar e manter à disposição do público, em sítio eletrônico oficial, edital de chamamento de interessados, de modo a permitir o cadastramento permanente de novos interessados;

II – na hipótese do inciso I do caput deste artigo, quando o objeto não permitir a contratação imediata e simultânea de todos os credenciados, deverão ser adotados critérios objetivos de distribuição da demanda;

III – o edital de chamamento de interessados deverá prever as condições padronizadas de contratação e, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, deverá definir o valor da contratação;

IV – na hipótese do inciso III do caput deste artigo, a Administração deverá registrar as cotações de mercado vigentes no momento da contratação;

V – não será permitido o cometimento a terceiros do objeto contratado sem autorização expressa da Administração;

VI – será admitida a denúncia por qualquer das partes nos prazos fixados no edital.

Basicamente são 03 (três) as hipóteses em que poderá ser utilizado:

  • Paralela e não excludente:

Será adotado, diz a lei, quando se pretender realizar contratações simultâneas em condições padronizadas. Assim, via de regra adota-se para situações em que se pretende contratar todos os interessados, porém quando o objeto não permitir a contratação imediata e simultânea de todos os credenciados, deverão ser adotados critérios objetivos de distribuição da demanda (art. 79, parágrafo único, II), sendo que o edital definirá o valor da contratação e as condições padronizadas (inciso III).

A hipótese se apresenta como comum na esfera Municipal para a contratação de exames laboratoriais. No mais das vezes os Municípios não contam com laboratório próprio, ou quando os tem, não são suficientes para atender as demandas dos exames. Assim, contrata-se por credenciamento os laboratórios da cidade: inicia-se e publica-se edital de chamamento público, nos termos do regulamento, que deve ficar constantemente aberto à adesão dos interessados (artigo 79, parágrafo 1º, I), no qual se estabelecem as condições padronizadas de execução e os preços a serem pagos pelos exames (é usual a adoção de tabelas como a tabela SUS); os interessados aderem às condições estabelecidas e credenciam-se à prestação dos serviços laboratoriais; os laboratórios prestam os serviços nas condições ajustadas e recebem por eles (por vezes não se dá a contratação imediata de todos os laboratórios. A contratação, a rigor, fica a critério do poder público, que deve criar mecanismo de distribuição igualitária dos serviços entre os credenciados, sendo esse mecanismo de distribuição presente no edital do chamamento público do credenciamento – um critério adotado para tanto, é o rodízio entre os laboratórios, em períodos preestabelecidos. Assim, no período em que, pelo rodízio, for o momento de certo laboratório promover o atendimento, os setores responsáveis da administração encaminharão os usuários dos serviços para suas dependências, munidos de documento autorizativo para realização dos exames de que necessitam).

  • Com seleção a critério de terceiros:

Será adotado, diz a lei, na hipótese em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação, o usuário dos bens ou serviços, sendo que o edital definirá o valor da contratação e as condições padronizadas (art.79, parágrafo único, inciso III).

Na esfera Municipal é muito adotado para a contratação de instituições bancárias para recebimento de tributos. O poder público, com o objetivo de ampliar a rede de arrecadação, não concentra esse recebimento em um só banco. Publica edital de chamamento, nos termos do regulamento, e permanentemente mantém aberta a possibilidade de adesão; as instituições bancárias que aderirem poderão receber os tributos, prestando os serviços na forma padronizada, sendo remuneradas pelo valor prévio estabelecido pela administração. A escolha do local para fazer o pagamento fica ao livre alvedrio do contribuinte, que seleciona a instituição bancária de sua predileção.

  • Em mercados fluidos:

Será adotado em caso em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação. A respeito, o parágrafo único, IV, do artigo 79, acrescenta que a Administração deverá registrar as cotações de mercado vigentes no momento da contratação.

 

Mercados fluidos são aqueles que variam com uma constância tal, que inviabiliza a disputa competitiva nos termos e moldes estabelecidos para as modalidades previstas pela Lei 14.133/21.

Imagine por exemplo a necessidade de compra de moeda estrangeira para a viagem de um agente público (o ainda em algumas situações de compra de passagem aérea). A cotação diária, fluida ao longo do próprio dia, variável com uma rapidez espantosa, impede que se promova a disputa pelos procedimentos versados na lei. Não se imagina fazer um pregão para isso, pois o preço na data da proposta não se apresenta necessariamente o mesmo da data da conclusão da licitação ou do contrato.

A lei, então, contemplou a hipótese como de credenciamento, portanto de inexigibilidade (pensamos a rigor que fica no linear entre uma inexigibilidade e uma dispensa, se isso for possível), autorizando a administração a contratar diretamente, sendo-lhe obrigatório registrar as cotações de mercado vigentes no momento da contratação, com o claro objetivo de permitir o controle por quem quer que seja, a fim de verificar o atendimento dos objetivos da contratação, mormente o de busca da proposta mais vantajosa para a administração.

Nessa última hipótese de credenciamento, não se vislumbra a figura do edital de chamamento público, nos clássicos moldes das duas primeiras, o que não significa liberar a administração de regras a serem seguidas. Parece-nos que essas regras deverão constar de forma clara ao menos no regulamento que discipline o referido procedimento auxiliar.

 

[1] Curso de Direito Administrativo, 13ª ed. 2000, Ed. Malheiros, p. 471.

[2] Inserido no processo TC – 16522/95-8 – Decisão n. 656/95 – Plenário Ata 58/95.

[3] Trecho da Decisão n. 656/95 – Plenário. Ata 58/95.

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