Blog Capacite

Artigo: Nova Lei de Licitações – Procedimentos Auxiliares – Registro Cadastral por Marcelo Palavéri.

* Marcelo Palavéri

Não é de hoje que as administrações públicas, inclusive Municipais, mantém cadastros para fins de licitação. Esses bancos de dados, denominados pela Lei 8.666/93 em seu artigo 34 como registros cadastrais, vêm sendo aprimorados nos últimos tempos, pois historicamente, quando existiram, foram sempre tratados de forma muito pouco técnica.

            Esses cadastros nada mais são que registros do poder público, divididos por categorias, em vista das diversas especializações, e subdivididos, na medida do possível, em grupos.

            Neles, os interessados deverão pleitear sua inscrição, trazendo para tanto o rol de documentos exigidos pelo edital de chamamento, tornado público.

            Nesse edital, via de regra o poder público especifica quais os documentos necessários para a obtenção do cadastro, estando limitado ao rol de exigências admitidas para a habilitação, o que não poderia ser diferente, pois o propósito da existência do registro cadastral é exatamente dar à administração, quando for promover licitações ou mesmo aquisições e contratações diretas, elementos para conhecer e selecionar seus licitantes, facilitando os procedimentos.

            Assim, os interessados em licitar cadastram-se nos órgãos públicos com que pretendem no futuro contratar, tornando-se aptos a participar de seus certames, em especial de suas tomadas de preços, modalidade agora extinta.

            Apresentados os documentos, sempre se atribuiu a uma comissão responsável pelo cadastro, não necessariamente a mesma responsável pelo julgamento e processamento das licitações, a promoção de sua análise, expedindo, aos que atenderem ao requisitado, o que usou denominar Certificado de Registro Cadastral (CRC), com validade de no máximo um ano.

         Essa validade, contudo, não desobrigava os cadastrados de manterem atualizada a documentação que permitiu sua expedição, sob pena de vê-lo suspenso ou cancelado (art. 37 da Lei 8666/93), o que se tornou muito comum, pois a grande maioria das certidões e documentos apresentados para o cadastro dispõem de validade por prazo inferior ao da vigência daquele registro (um ano), devendo ser periodicamente atualizadas.

            Por exemplo, se uma empresa, para cadastrar-se, apresentou certidão negativa de débitos para com a fazenda do Município de sua sede, com validade de 06 (seis) meses, e obteve o CRC com validade de 01 (um) ano, passados os primeiros 06 (seis) meses poderia ter suspensa a validade de seu registro, se não atualizasse o documento que certifique a sua regularidade perante o fisco do Município de sua sede.

         Os referidos cadastros, até então de responsabilidade de cada ente federado, exigiam que fosse amplamente divulgado, estando permanentemente aberto aos interessados, os quais, a qualquer tempo, poderiam pleitear sua inscrição.

            Na prática, contudo, tem-se verificado que especialmente os Municípios não mantiveram cadastros com as especialidades e detalhes que permitissem a seleção minuciosa nos diversos objetos de que necessita, limitando-se a subdividir os interessados em categorias genéricas, como por exemplo construção civil, fornecimento de alimentos, material de construção etc.

            Tem-se assim, que esses cadastros refletiram, ao longo dos últimos anos, apenas aspectos relacionados à habilitação jurídica (art. 28 da Lei 8.666/93) e à regularidade fiscal (art. 29 da Lei 8.666/93), pouco esclarecendo quanto à qualificação técnica (art. 30 da Lei 8.666/93) ou econômico-financeira (art. 31 da Lei 8.666/93).

         Isso é plenamente justificável, pois os aspectos da qualificação técnica e econômico-financeira estão diretamente relacionados com o objeto licitado, ao passo que as questões de habilitação jurídica e fiscal são de ordem geral, independendo do objeto do futuro certame. Estamos diante da categorização dos documentos, podendo dizer que a primeira categoria – técnica e econômico-financeira – enquadra-se no que se chama de requisitos relativos de habilitação, ao passo que a segunda – jurídica e fiscal – pode ser considerada requisitos absolutos da habilitação.

            Até hoje, poucos cadastros tiveram êxito em conseguir substituir adequadamente os documentos referentes à parte relativa, à habilitação técnica e econômico-financeira, que são umbilicalmente individualizados em face do objeto específico da licitação.

            Assim, é possível dizer que é muito pouco provável o Certificado de Registro Cadastral (CRC) destinar-se a efetivamente substituir os documentos de habilitação como um todo, tal como se faculta na lei, sendo comum que o faça parcialmente, exigindo-se no certame a apresentação de documentos relativos à qualificação técnica, especialmente os atestados, e os relativos à qualificação econômico-financeira.

            Desse modo, o registro cadastral dispõe de utilidade relativa, e por serem normalmente genéricos, não permitem ao poder público utilizar-se dele para definir com total precisão quem serão os prováveis licitantes, e por esse mesmo motivo, é impossível que sirvam para substituir toda a documentação da habilitação necessária para qualificar os licitantes à disputa.

         A nova lei, nessa esteira, pretende promover alterações e inaugurar novo cenário no que diz respeito aos cadastros. Com efeito, seguindo esse propósito, os artigos 87 e 88 disciplinam o instituto.

            O artigo 87 estabelece regras gerais acerca do cadastro:

Art. 87. Para os fins desta Lei, os órgãos e entidades da Administração Pública deverão utilizar o sistema de registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), para efeito de cadastro unificado de licitantes, na forma disposta em regulamento.

  • 1º O sistema de registro cadastral unificado será público e deverá ser amplamente divulgado e estar permanentemente aberto aos interessados, e será obrigatória a realização de chamamento público pela internet, no mínimo anualmente, para atualização dos registros existentes e para ingresso de novos interessados.
  • 2º É proibida a exigência, pelo órgão ou entidade licitante, de registro cadastral complementar para acesso a edital e anexos.
  • 3º A Administração poderá realizar licitação restrita a fornecedores cadastrados, atendidos os critérios, as condições e os limites estabelecidos em regulamento, bem como a ampla publicidade dos procedimentos para o cadastramento.
  • 4º Na hipótese a que se refere o § 3º deste artigo, será admitido fornecedor que realize seu cadastro dentro do prazo previsto no edital para apresentação de propostas.
  1. Unifica-se nacionalmente o cadastro, a ser gerido pelo PNCP, Portal Nacional de Contratações Públicas, criado pelo artigo 174, e ainda não disponibilizado. Nos termos do artigo 174, parágrafo 3º, I, estabelece a lei que O PNCP deverá, entre outras funcionalidades, oferecer: sistema de registro cadastral unificado.

Vale lembrar que o PNCP como um todo, e o cadastro que conterá em especial, dependem de regulamentação, a ser editada, de modo que por ora não nos é dado promover comentários operacionais sobre o referido cadastro.

Certo é, contudo que os cadastros Municipais, editados e mantidos com base na Lei 8.666/93, deixam de existir para os fins de habilitação quando adotadas as normas da Lei 14.133/21, pois perdem sua funcionalidade até mesmo em face do reforçado pelo artigo 87, parágrafo 2º.

  1. O cadastro nacional unificado será público, submetendo-se a divulgação ampla, e a inscrição em seus bancos de dados deve estar permanentemente aberta aos interessados.

         Com o propósito de estimular o registro e ingresso dos particulares, e o uso pelos órgãos públicos, deverá ser feito chamamento público pela internet, ao menos anualmente.

  1. O parágrafo 3º, do artigo 87 autoriza a administração a promover licitação restrita a fornecedores cadastrados. Essa possibilidade, contudo, depende de regulamento, que a nosso ver se insere na esfera de governo que vier a adotar esse caminho. Assim, o regulamento do cadastro em si, será federal, pois inserido no PNCP que tem âmbito nacional. Contudo, disciplinar se realizará licitação exclusiva com cadastrados, nos termos autorizados pela lei, parece-nos escolha da seara de quem a processará. Se o Município optar por essa alternativa, deve regular a matéria por decreto, e estabelecer as condições e procedimento.

         Registre-se que a grande função do cadastro, contudo, não é essa. O seu fim primordial é o de facilitar a habilitação, antecipando a etapa, para que seja mais célere, vez que os documentos já terão sido apresentados perante o cadastro. Assim, a hipótese deve ser vista com restrições, considerando que o ambiente de disputa melhor se faz com licitação aberta em que se permita a ampla participação.

            Nessa senda, anote-se que a Lei 14.133/21 inclusive extinguiu a modalidade licitatória da tomada de preços, que tinha como característica a participação exclusiva de licitantes cadastrados, e seria um contrassenso revalidar procedimento com idênticas características (entendemos que a hipótese do artigo 87, parágrafo 3º não é totalmente idêntica à antiga tomada de preços, mas que o fato de restringir certames a cadastrados indica a adoção de uma das notas características definidoras da modalidade extinta).

            O artigo 88, por sua vez, fixa normas para a ação dos interessados, particulares, para inscrição e atualização do cadastro:

Art. 88. Ao requerer, a qualquer tempo, inscrição no cadastro ou a sua atualização, o interessado fornecerá os elementos necessários exigidos para habilitação previstos nesta Lei.

  • 1º O inscrito, considerada sua área de atuação, será classificado por categorias, subdivididas em grupos, segundo a qualificação técnica e econômico-financeira avaliada, de acordo com regras objetivas divulgadas em sítio eletrônico oficial.
  • 2º Ao inscrito será fornecido certificado, renovável sempre que atualizar o registro.
  • 3º A atuação do contratado no cumprimento de obrigações assumidas será avaliada pelo contratante, que emitirá documento comprobatório da avaliação realizada, com menção ao seu desempenho na execução contratual, baseado em indicadores objetivamente definidos e aferidos, e a eventuais penalidades aplicadas, o que constará do registro cadastral em que a inscrição for realizada.
  • 4º A anotação do cumprimento de obrigações pelo contratado, de que trata o § 3º deste artigo, será condicionada à implantação e à regulamentação do cadastro de atesto de cumprimento de obrigações, apto à realização do registro de forma objetiva, em atendimento aos princípios da impessoalidade, da igualdade, da isonomia, da publicidade e da transparência, de modo a possibilitar a implementação de medidas de incentivo aos licitantes que possuírem ótimo desempenho anotado em seu registro cadastral.
  • 5º A qualquer tempo poderá ser alterado, suspenso ou cancelado o registro de inscrito que deixar de satisfazer exigências determinadas por esta Lei ou por regulamento.
  • 6º O interessado que requerer o cadastro na forma do caput deste artigo poderá participar de processo licitatório até a decisão da Administração, e a celebração do contrato ficará condicionada à emissão do certificado referido no § 2º deste artigo.
  1. Percebe-se que o objetivo é que o cadastro contenha toda a documentação de habilitação prevista na lei a partir do artigo 62.

            Nesse sentido, reportamos o leitor aos comentários iniciais desse tópico, onde tecemos considerações a respeito das dificuldades do cadastro refletir a realidade da habilitação técnica e econômico-financeira (habilitação relativa), vez que inter-relacionada com cada objeto licitado.

  1. Percebe-se que a preocupação demonstrada no item anterior não passou ao largo do legislador, que estabeleceu que diante da peculiaridade da habilitação técnica e econômico-financeira, a inscrição dar-se-á por área de atuação, por categorias e dividida em grupo.

            Se assim for, teremos uma realidade muito mais adequada que aquela vivenciada hoje nos Municípios, conforme relatado nos comentários preliminares deste item.

  1. A lei não estabeleceu prazo de validade do registro, o que decerto constará da regulamentação, por ser recomendável (parágrafo 5º, do artigo 88).

            A respeito dessa questão do prazo, veja comentários na parte inicial do item, quando discorremos sobre a realidade dos cadastros anteriores à lei, diante do fato de que os documentos constitutivos contêm prazos variados.

            Essa questão se inter-relaciona como o disposto no parágrafo 5º do artigo 88, certo em que a qualquer tempo poderá ser alterado, suspenso ou cancelado o registro de inscrito que deixar de satisfazer exigências determinadas por esta Lei ou por regulamento.  

         Assim, espera-se que a regulamentação estabeleça prazo de validade do cadastro, e que imponha ao interessado a necessidade de manter atualizados os documentos que o constituem, sob pena de suspensão ou cancelamento, criando mecanismos para alerta quanto à necessidade de atualizações específicas.

  1. O parágrafo 6º, do artigo 88 apresenta salutar regra destinada a impedir movimentos no sentido de barrar a participação de interessados em licitações em face da falta do cadastro, caso já o tenha requerido. Nessas condições, a norma estabelece que poderá participar de processo licitatório até a decisão da Administração, e a celebração do contrato ficará condicionada à emissão do certificado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *