Artigo: Nova Lei de Licitações – Os Critérios de Julgamento – Técnica e Preço por Marcelo Palavéri.
* Marcelo Palavéri
Reitere-se que, em regra, o julgamento das licitações promovidas pelo poder público, e em especial pelos Municípios, é processado pelo menor preço, havendo situações nas quais, no entanto, permitiu-se a adoção do critério de técnica e preço.
O julgamento por esse critério, diz o caput do artigo 36 considerará a maior pontuação obtida a partir da ponderação, segundo fatores objetivos previstos no edital, das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta.
Teremos, então, no edital, a ponderação (atribuição de pesos) de fatores técnicos e de preço, devendo ser avaliadas e ponderadas as propostas técnicas e, em seguida, as propostas de preço apresentadas pelos licitantes, na proporção máxima de 70% (setenta por cento) de valoração para a proposta técnica (art. 36, parágrafo 2º).
Diferentemente do que ocorria na Lei 8.666/93 (artigo 46), o procedimento da análise da técnica e do preço não está detalhado na lei, que prevê apenas que primeiro se analisará a técnica para depois averiguar os preços, o que induz a necessidade de serem apresentadas em separado (em envelopes distintos) de modo a destinar ao regulamento e ao edital a fixação e minudenciamento dessas etapas.
Para a opção por esse critério o poder público deverá considerar o estudo técnico preliminar, analisando se a situação demonstra que a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no edital são relevantes aos fins pretendidos pela Administração (art. 36, parágrafo 1º).
Além disso, para poder utilizá-lo deverá pretender a contratação de:
I – serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, caso em que o critério de julgamento de técnica e preço deverá ser preferencialmente empregado;
II – serviços majoritariamente dependentes de tecnologia sofisticada e de domínio restrito, conforme atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação;
III – bens e serviços especiais de tecnologia da informação e de comunicação;
IV – obras e serviços especiais de engenharia;
V – objetos que admitam soluções específicas e alternativas e variações de execução, com repercussões significativas e concretamente mensuráveis sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade, quando essas soluções e variações puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes, conforme critérios objetivamente definidos no edital de licitação.
Percebe-se que se trata de um rol exaustivo da lei, e que em todos eles, presente a premissa analisada no estudo técnico preliminar, poderá ser adotado o critério de técnica e preço, mas que no caso de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual (inciso I) deverá ser preferencialmente empregado, situação em que fica reduzida a liberdade de escolha.
O artigo 37 da Lei 14.133/21 determina como a administração deverá considerar a melhor técnica ou a técnica e preço ao definir que o julgamento se dará por esses critérios:
Art. 37. O julgamento por melhor técnica ou por técnica e preço deverá ser realizado por:
I – verificação da capacitação e da experiência do licitante, comprovadas por meio da apresentação de atestados de obras, produtos ou serviços previamente realizados;
II – atribuição de notas a quesitos de natureza qualitativa por banca designada para esse fim, de acordo com orientações e limites definidos em edital, considerados a demonstração de conhecimento do objeto, a metodologia e o programa de trabalho, a qualificação das equipes técnicas e a relação dos produtos que serão entregues;
III – atribuição de notas por desempenho do licitante em contratações anteriores aferida nos documentos comprobatórios de que trata o § 3º do art. 88 desta Lei e em registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).
- 1º A banca referida no inciso II do caput deste artigo terá no mínimo 3 (três) membros e poderá ser composta de:
I – servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração Pública;
II – profissionais contratados por conhecimento técnico, experiência ou renome na avaliação dos quesitos especificados em edital, desde que seus trabalhos sejam supervisionados por profissionais designados conforme o disposto no art. 7º desta Lei.
O artigo carrega grande dificuldade interpretativa.
Primeiro, ao unir técnica e técnica e preço.
Entendemos que o julgamento técnico diferencia-se do julgamento artístico, e que por isso deve ser pautado por maior objetividade, aplicando-se-lhe o artigo 37, conforme textualmente indicado em seu caput.
Essa afirmação, contudo, não significa que se deva seguir passo a passo o caminho previsto no artigo 37 quando o julgamento se fizer exclusivamente por técnica. Isso porque deve se reconhecer uma certa incongruência com algumas das etapas descritas.
Assim, ao julgar pelo critério exclusivo de técnica, as previsões dos incisos do artigo 37 devem ser adaptadas ao caso concreto, considerando em especial que o licitante apresenta o produto final em sua proposta, o trabalho acabado.
Com isso, teremos uma banca constituída para julgar a técnica, que adotará os critérios objetivos do edital, estes fixados com as necessárias adaptações dos incisos do artigo 37 à realidade do objeto.
Em segundo lugar, quando pensamos nos preceitos considerando apenas o julgamento pelo critério de técnica e preço, podemos afirmar que neste caso teremos a aplicação mais adequada do artigo 37, cabendo algumas considerações:
- o inciso I do artigo 37 revisita uma discussão antiga da doutrina e da jurisprudência, de não ser adequado misturar a fase de habilitação com a de julgamento técnico. Com efeito, são momentos distintos da disputa, sendo no primeiro privilegiado o olhar sobre o licitante (subjetivo), ao passo que na análise da proposta técnica se investiga o aspecto da proposta (objetivo).
No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por exemplo, o tema foi sumulado, de modo a evitar a indesejada mistura[1].
Ocorre que da forma como redigido o inciso, inserido no julgamento técnico, surge a dúvida no sentido de ter o legislador agora estabelecido que os aspectos referentes ao licitante, subjetivos, devam ser apreciados no julgamento da proposta técnica.
Se assim entendermos estaremos desnaturando a divisão evidente que existe entre o sujeito licitante e o objeto licitado, de modo que parece-nos melhor manter a divisão até então realizada, vinculando esse inciso ao previsto para a habilitação, destacadamente no artigo 67.
- o inciso II do artigo 37 trabalha com a essência propriamente dita da proposta técnica. Permite a atribuição de notas a quesitos de natureza qualitativa, nos termos do edital, considerados a demonstração de conhecimento do objeto, a metodologia e o programa de trabalho, a qualificação das equipes técnicas e a relação dos produtos que serão entregues.
Será aqui e na previsão do inciso III que se analisará concretamente o aspecto objetivo da proposta técnica.
Nesse momento, à luz do inciso II, será aferido, no confronto com o que foi proposto pelo licitante, se conhece efetivamente o objeto, se a metodologia escolhida para a sua execução é adequada e consistente, se o programa de trabalho satisfaz as necessidades e pretensões, qual a qualificação da equipe técnica, bem como o que se propõe a entregar.
Pretende-se que a proposta seja analisada considerando aspectos fundamentais da pretensão da administração, daí exigir-se que se faça por banca designada para esse fim composta por no mínimo 3 (três) membros, sendo servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração Pública ou profissionais contratados por conhecimento técnico, experiência ou renome na avaliação dos quesitos especificados em edital, desde que seus trabalhos sejam supervisionados por profissionais designados conforme o disposto no art. 7º desta Lei.
Discute-se desde logo, se essa banca julgará a proposta de técnica e preço como um todo, ou somente os quesitos de natureza qualitativa a que alude o inciso II. Em um entendimento inicial, parece-nos que o propósito é somente atribuir-lhe essa etapa do julgamento.
Vale dizer, além disso, que esse colegiado dispõe de autonomia para a atuação, e que a parte final do inciso II do parágrafo 1º, não pode ser entendida como subordinação dos profissionais contratados a qualquer servidor.
Da mesma forma, a possibilidade do colegiado ser composto por servidores e especialistas contratados, não obriga que sempre seja composto pelas duas categorias, havendo liberdade para a sua composição. Lembre-se, contudo, que o servidor que vier a compor a referida banca deve deter conhecimento e preparação técnica para o exercício da função, sob pena de esvaziamento da razão da composição e constituição.
- O inciso III do artigo 37, por sua vez, autoriza atribuir notas por desempenho do licitante em contratações anteriores aferidas em cadastros que especifica.
Apesar de confusa, a regra é diferente do inciso I. Naquele fala-se em verificação da capacitação e da experiência do licitante, comprovadas por meio da apresentação de atestados de obras, produtos ou serviços previamente realizados, ao passo que aqui o desempenho será aferido pela atribuição de notas por desempenho do licitante em contratações anteriores aferida nos documentos comprobatórios de que trata o § 3º do art. 88 desta Lei e em registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).
Na sequência, o parágrafo 2º do artigo 37 estabelece regra destinada a uma das categorias de serviços que podem ser licitados por esse critério. Trata-se dos serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual. Esses, como sabido, podem ser objeto de contratação direta, considerando-se inexigível a licitação quando presentes os requisitos do artigo 74, III da Lei 14.133/21. Diz a norma, que em se licitando tais serviços, nas condições que estabelece (alíneas “a”, “d” e “h” do inciso XVIII do caput do art. 6º desta Lei cujo valor estimado da contratação seja superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais),) o julgamento será por melhor técnica; ou técnica e preço, na proporção de 70% (setenta por cento) de valoração da proposta técnica.
Por fim, o artigo 38 exige a vinculação direta e pessoal na execução dos serviços do contrato do profissional que tenha recebido pontuação (No julgamento por melhor técnica ou por técnica e preço, a obtenção de pontuação devido à capacitação técnico-profissional exigirá que a execução do respectivo contrato tenha participação direta e pessoal do profissional correspondente).
Trata-se de aspecto essencial e indispensável que coaduna-se com a lógica do sistema. Se determinado profissional foi apresentado pelo licitante, obteve pontuação que possibilitou a vitória, a sua participação na execução do contrato é exigência que se impõe.
[1] SÚMULA Nº 22 – Em licitações do tipo técnica e preço, é vedada a pontuação de atestados que comprovem experiência anterior, utilizados para fins de habilitação.