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Artigo: Nova Lei de Licitações – Pregão – Conceito e Objeto– Marcelo Palavéri

O conceito de pregão

 

A expressão “pregão”, no caso, inspira-se no significado etimo­ló­gico da palavra, que no dizer dos dicionários Houaiss e Aurélio sig­nifica “o que proclama, anuncia, ou diz em público”. É o ato de apregoar coisas que se­r­ão vendidas e os lances já oferecidos[1].

Aqui, no pregão, enquanto modalidade licitatória, porém, esse ato de apregoar, e de receber lances, é característico apenas de uma etapa do certame, como a seguir se verá, de modo que a denominação legal com que se batizou o procedimento não tem o mesmo sig­nificado anteriormente mencionado, podendo-se definir o pregão, aqui estudado, como a modalidade licitatória obrigatória destinada à seleção de propostas para futuros contratos, objetivando a aquisição de bens, serviços comuns, , e facultativo para serviços comuns de engenharia, independentemente do valor da futura contratação, em cujo procedimento a disputa entre os licitantes far-se-á por meio de propostas escritas, seguidas de lances apurados em sessão pública (modo de disputa aberto), sendo julgado pelo menor preço ou pelo maior desconto.

Uma das principais mudanças a se considerar a partir da definição apresentada, é a obrigatoriedade da adoção do pregão para bens e serviços em geral comuns, nos termos do inciso XLI, do artigo 6º, da Lei 14.133/21:

Art. 6º….XLI – pregão: modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto;

Referida obrigatoriedade inexistia na Lei 10.520/02, tendo nos permitido apresentar comentários a respeito em nosso Pregão nas licitações municipais, ed. Del Rey. 2003[2], tendo sido estabelecida em algumas esferas de governo mediante decretos, o que raramente aconteceu na esfera Municipal.

Em linhas gerais, as notas características que individualizaram e elevaram a modalidade à condição de preferida pela administração, foram agora, de alguma forma, incorporadas no roteiro a ser adotado para todas as modalidades previstas pela Lei 14.133/21. Relembremos quais são:

  • celeridade (rapidez): verificada com a) a abreviação dos prazos para formulação das propostas; b) a simplificação do procedimento com a inversão das fases, ocorrendo primeiro o julgamento e depois a habilitação, analisando-se do­cumentos apenas do vencedor; c) a unicidade do recurso administrativo; e d) a possibilidade de instauração da etapa de negociação;
  • inversão das fases de habilitação e julgamento;
  • liberdade de participação, vez que é estendida a todos os interessados que preencham os requisitos editalícios; e
  • conjugação de propostas escritas e lances verbais, com julgamento hí­brido, pois num primeiro momento os licitantes oferecem pro­­postas escritas, secretas, sendo destinadas a cre­denciá-los aos lances a serem apresentados em sessão pública única, para a escolha do vencedor.

 

O objeto do pregão: compra de bens e contratação de serviços comuns

 

Diz o artigo 1º da Lei 10.520/02:

Art. 1º Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.

Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

E agora, à semelhança, dizem os incisos XLI, XIII e XXI, “a” do artigo 6º da Lei 14.133/21:

Art. 6º….XLI – pregão: modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto;

XIII – bens e serviços comuns: aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado;

XXI – serviço de engenharia: toda atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou material, de interesse para a Administração e que, não enquadradas no conceito de obra a que se refere o inciso XII do caput deste artigo, são estabelecidas, por força de lei, como privativas das profissões de arquiteto e engenheiro ou de técnicos especializados, que compreendem:

  1. a) serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens;

Para processar a seleção nas contratações governamentais, a escolha dessa modalidade licitatória (o pregão), dar-se-á em face dos seguintes objetos:

  1. 1. obrigatoriamente quando se tratar de bens comuns;
  2. 2. obrigatoriamente quando se tratar de serviços em geral comuns; e
  3. 3. facultativamente quando se tratar de serviços de engenharia comuns.

Vê-se, do exposto, que é a natureza do objeto que define a adoção da modalidade pregão.

Assim, obrigatoriamente se utilizará o pregão para a contratação de bens e ser­viços comuns, sendo estes definidos pela Lei 10.520/02 e pelo inciso XIII do artigo 6º, da Lei 14.133/21 como aqueles “cujos padrões de desempenho e qualidade podem (possam) ser objetivamente defi­­ni­dos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado”.

A definição legal, já dissemos alhures[3], longe de auxiliar na conceituação de bens e serviços comuns, serve mesmo para confundir o intérprete, levando a crer ser possível licitar, por outros meios, outras modalidades, bens e serviços sem defini-los objetivamente no edital.

Isso, obviamente, não é admissível, pois é exigência que o objeto da licitação seja definido de forma clara, o que pressupõe objetividade. Pode-se assim afirmar que em todas as licitações o objeto deverá ser definido de forma ob­jetiva, permitindo aos licitantes saber com precisão o que é pretendido pela administração, devendo a definição constar do edital.

Tentemos, então, definir o que sejam bens e serviços comuns.

“Comum”, a nosso ver, está na lei para caracterizar bens e serviços conhecidos de forma inquestionável e obtidos com facilidade pelo mercado, que sigam padrões usuais de especificação ou execução. São bens e ser­viços, também, que já estão enraizados no hábito da administração, fazendo parte do dia-a-dia dos órgãos públicos, podendo se dizer que assim se caracteriza a maioria dos obje­tos classificados como material de consumo.

A padronização desses objetos aqui mencionada, diversamente da­quela a que alude a Lei 14.133/21 em seu artigo 43, não necessita ter sido reconhecida em procedimento administrativo, e menos ainda seguir regras legais ou conceituais com fundamentos técnicos (por exemplo, ABNT), podendo decorrer de aspectos práticos, de uma reiterada verificação no mercado.

Anote-se, ainda, que comum não é sinônimo necessário de simples, como pode à primeira vista parecer. Simples é antagônico de complexo, e não se pode dizer que um bem ou serviço complexo não possa ser comum. Isso será possível quando a referida complexidade for facilmente encontrável no mercado, for usual e difundida de tal forma que tecnicamente seja de domínio amplo.

Assim, pode-se dizer, até mesmo, que a construção da noção de bem ou serviço comum está implicitamente relacionada à singeleza, à celeridade do procedimento licitatório do pregão, de modo a ad­mitirem-se apenas os objetos que podem ser definidos tendo em vista esse fato.

A singeleza do procedimento do pregão se caracteriza, dentre ou­tras coisas, pelo curto tempo para oferecimento de propostas – mí­nimo de oito dias úteis –, o que seria incongruente se admitido para a busca de objetos não previamente disponíveis no mercado, amplamente difundidos tecno­lo­gi­camente; outrossim, encontra-se amparada no fato de que o julgamento se dará sempre pelo menor preço, ou pelo maior desconto ( artigo 6º, XLI), admitindo-se  apenas a indicação de pa­râmetros de desempenho e qualidade, o que qualifica a objetividade buscada no certame (artigo 34).

Assim, concordamos com Marçal Justen Filho quando assevera:

“Em última análise, bem ou serviço “comum”, para fins da adoção de pregão, é aquele que pode ser adquirido no mercado sem maior di­ficuldade, nem demanda maior investigação acerca do fornecedor.

Ou seja, a interpretação do conceito de “bem ou serviço comum” deve fazer-se em função das exigências do interesse público e das peculiaridades procedimentais do próprio pregão. A natureza do pre­gão deve ser considerada para determinar o próprio conceito de “bem ou serviço comum”.

Pode dizer-se que “comum” não é o objeto destituído de sofisticação, mas aqueles para cuja aquisição satisfatória não se fazem necessárias investigações ou cláusulas mais profundas.

Enfim, são comuns os objetos padronizados, aqueles que têm um perfil qualitativo definido e conhecido ao mercado.”[4]

Ante essas anotações, e a definição ofertada por Marçal Justen Filho, ousamos dizer que certamente os idealizadores do pregão, ao fixar a moda­lidade, primeiro vislumbraram um procedimento licitatório célere, e depois partiram para verificar quais objetos poderiam ser adquiridos e contra­tados em face da singeleza do que fora criado. Partiram da necessi­dade de implementar rapidez às compras corriqueiras e aos serviços usuais, e criaram um procedimento “enxuto”, desprovido de amarras e filigranas, mas so­mente depois de constituí-lo é que definiram quais objetos eram adequadas ao seu uso. E pecaram ao fazê-lo, pois na verdade a definição do parágrafo único do artigo 1º da Lei 10.520/02, agora incorporada pelo inciso XIII do artigo 6º, da Lei 14.133/21, em nada acrescenta quanto a auxiliar na delimitação dos objetos que podem ser submetidos ao pregão.

Assim, a busca dessa definição, destinada a saber quais os objetos são bens e serviços comuns, a nosso ver, deve partir da motivação existente na criação da modalidade, e da estrutura legal criada para seu procedimento, como anteriormente anotamos.

Desse modo, em todos os casos em que estejamos diante da pretensão de se adquirir (comprar) ou se contratar serviços caracterizados como comuns, nos termos antes anotados, dever-se-á adotar a licitação na moda­lidade pregão.

Não sem propósito, desde a edição da Lei 10.520/02, até os dias de hoje têm sido levadas aos tribunais discussões acerca de objetos selecionados pela administração para promover licitações pela modalidade pregão, buscando discutir se determinados bens que se pre­tende adquirir, ou certos serviços que se queira contratar, caracterizam-se como comuns. Certas decisões já são referências nesse aspecto, sedimentadas, dentre outros, pelo acórdão 1667/2017 do TCU que indica um norte para o tema, ao entender que “a identificação do bem ou serviço como sendo comum, para fim de adoção do pregão, independe de sua complexidade. É a definição objetiva de seus padrões de desempenho e qualidade, mediante especificações usuais no mercado, que o caracteriza como comum”.

Nos termos da Lei 14.133/21, agora de forma expressa, admite-se a adoção do pregão, não obrigatoriamente, para serviços comuns de engenharia, entendimento que defendemos desde a edição de nosso Pregão nas licitações Municipais.[5]   

Serviços comuns de engenharia são aqueles objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens. No caso de objetos com essa natureza, até mesmo o Tribunal de Contas da União, pela Súmula 257, entende ser possível a realização do pregão.

Visto em linhas gerais quais os objetos são suscetíveis de serem li­citados pelo pregão, algumas considerações que decorrem dessa de­finição devem ser feitas.

Primeiro, exclui-se a possibilidade, como o leitor já deve ter perce­bido, de se adotar o pregão para obras (inciso XII, do artigo 6º), serviços especiais de engenharia (inciso XXI, “b” do artigo 6º), e para alienações em geral (artigo 6º, XL e artigo 76).

Nesses casos, e no caso de compra de bens e contratação de ser­viços não comuns, a administração terá de se valer obrigatoriamente de outras modalidades, destacadamente a concorrência (vide item 33) e o leilão (vide item 35).

Quanto às obras, está implícito na exclusão legal que detêm circunstâncias específicas, não podendo se caracterizar em nenhuma hipótese co­mo comuns, padronizáveis; serviços especiais de engenharia, por sua vez, são re­conhecidos, com a exclusão, como sendo serviços técnicos es­pecializa­dos, não podendo, também, caracterizar-se como comuns.

Da mesma forma se exclui da possibilidade de adoção do pregão a licita­ção de objetos como alienações, por exigir a adoção do tipo maior lance (art. 33), quando no caso do pregão obrigatório se torna o jul­gamento pelo menor preço ou maior oferta.

[1] Respectivamente Ed. Objetiva, 2001, e Ed. Nova Fronteira, 1999.

[2] E, em terceiro, permite-nos dizer que a opção pelo pregão é facultativa. Explica-se: sendo o pregão modalidade licitatória que não se define em função do valor estimado do contrato, e sim em face do objeto, se apresenta como alternativa apta a substituir tanto o convite quanto a to­mada de pre­ços ou a concorrência.

Dito de outra forma, teremos: a compra de bens ou a contrata­ção­ de serviços comuns pela Administração pode ser procedida tanto pelo pregão quanto por uma das clássicas licitações, a mo­dalida­de convite (se estimar-se a contratação entre R$ 8.000,00 e R$ 80.000,00), tomada de preços (se esse valor estiver entre R$ 80.001,00 e R$ 650.000,00) ou a concorrência (acima desse valor).

Caberá à Administração fazer a opção, pois prevalecerão aspectos de conveniência e oportunidade, a ser definidos e, eventualmente, especificados pelo poder público que promove o certame.

Com isso, dissentimos daqueles que julgam ser o pregão obrigatório, estabelecido como modalidade preferencial, em detrimento das demais.

Os que pensam de forma diversa anotam primeiro que o regulamento federal do pregão, o Decreto 3.555/2000, no artigo 3º, deter­mina a adoção preferencial da modalidade em detrimento das demais. Eis o teor do citado preceito:

Art. 3º Os contratos celebrados pela União, para a aquisição de bens e serviços comuns, serão precedidos, prioritariamente, de licita­ção pú­blica na modalidade pregão, que se destina a garantir, por meio de disputa justa entre os interessados, a compra mais econômi­ca, se­gura e eficiente.

Para os Municípios essa regra não tem validade alguma, posto – como já dissemos e a seguir melhor se esclarecerá – o referido re­gulamento não se aplicar de forma obrigatória.

Alegam, ainda, os que assim pensam que o pregão imprime maior ce­le­ridade ao procedimento licitatório, com o que haveria a im­ple­men­tação dire­ta do princípio constitucional da eficiência (art. 37, caput, CF), tornando obrigatória a sua adoção sempre que diante de objetos (bens e serviços) comuns.

Discordamos desse entendimento, pois a nosso ver a singeleza do procedimento do pregão e a rapidez com que se desenvolve não po­dem ser considerados necessariamente sinônimos de eficiência, a qual dispõe de uma noção muito mais ampla.

Outros ainda apontam que o pregão deve ser adotado, prio­ri­ta­riamente, porque a sua utilização pressupõe uma economia para a Administração, implementando-se o princípio da economicidade a que alude o artigo 70 da Constituição Federal.

Discordamos também desse entendimento para fundamentar a preferência pela modalidade, pois, apesar de histórica e estatisticamente ser condizente com a realidade, isso não pode ser adotado como verdade absoluta, podendo haver situações nas quais não se confirme. Ou seja: nem toda li­citação realizada por pregão aprio­ris­ti­ca­mente redundará em contratação mais econômica e, portanto, mais vantajosa do que a decorrente de outra modalidade legalmente admitida.

Dessa forma, temos que o Município pode escolher, diante da ne­cessidade da compra de bens ou contratação de serviços caracterizados co­­mo comuns, entre realizar a licitação por pregão ou por outra modalidade indicada para a faixa de estimativa da despesa que realizará, não havendo como se extrair da lei a determinação por sua prévia adoção em detrimento das demais.

É certo, contudo, dizer que se o Município, na regulamentação da modalidade, estabelecer regra semelhante à adotada pela União, estará obrigado à adoção prioritária do pregão.

 

[3] Leia-se nosso Pregão nas licitações municipais. Ed. Del Rey. 2005. P. 10 e seguintes.

 

[4] Pregão – Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico, p.20.

 

[5] Na oportunidade, ao mencionar a exclusão dos serviços de engenharia, à luz da Lei 10.520/02, escrevemos: Quanto a estes últimos, no entanto, é fundamental que se faça a dis­tin­ção entre a possibilidade ou não de adoção do pregão em al­guns casos nos quais, a despeito da intervenção de engenheiros, vêm sen­do os serviços classificados como comuns, de modo a admitir a opção por esta modalidade.

Parece-nos que, em simples casos de manutenção (como manu­tenção predial, de ar-condicionado ou de equipamentos de raio X), conservação e reparos, dependendo da sua descrição e extensão no projeto básico, poder-se-á adotar o pregão.

 

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