Blog Capacite

Nova Lei de Licitações - Estudo Técnico Preliminar - Marcelo Palavéri.

WhatsApp Image 2022-06-30 at 09.39.07

Estudo Técnico Preliminar

Pelo até aqui exposto, verifica-se que o procedimento licitatório inicia-se exatamente com a verifi­cação da necessidade de determinado objeto, o que ocorre por in­­termédio dos seus usuários finais, em decorrência do desenvolvimento de suas atividades diárias. Quando alguém dentro da administração se depara com essa necessidade e percebe-se a impossibilidade da própria administração provê-la, surge em linhas gerais a oportunidade de realizar a licitação.

Assim, detectar essa necessidade é o primeiro passo do processo, que seguirá toda a sequência dos atos estabelecidos pela lei, culminando com a contratação.

Alguém, então, de um determinado e específico setor da administração, verifica a necessidade de certo bem, de determinado serviço, ou obra. Nesse passo, transforma essa necessidade em uma requisição, na qual descreverá de forma detalhada o que almeja, sendo esse documento encaminhado ao setor responsável para realização da licitação.

O termo requisição, genericamente considerado, pode ser es­ta­be­lecido por intermédio de documento-padrão, a ser preenchido pelos re­quisitantes, como, também, para cada caso, poderá ter formato específico, vindo acompanhado de anexos, destinados a me­lhor esclarecer aquilo que se pretende.

Essa mera requisição, assume na sequência, o contorno de estudo técnico preliminar, definido pelo artigo 6º, XX da Lei 14133/21 como sendo o documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação.

Nos termos definidos pela lei, a rigor, assume a função de deflagrar o certame, “confundindo-se” com a própria requisição, pois se apresenta como documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação.

Sendo a própria requisição, ou a ela se somando ou seguindo – o que nos parece mais razoável – fato é que serve para evidenciar o problema a ser resolvido, apresentando a sua melhor solução para permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação (artigo 18 parágrafo 1º).

O estudo técnico preliminar, tal como definido pelo artigo 6º, XX e disciplinado pelo artigo 18, com destaque no procedimento, surge pela primeira vez em uma norma geral de licitação com a edição da Lei 14.133/21, sendo que até então sua menção no artigo 6º, IX da Lei 8666/93, ao se definir o projeto básico, manteve o instrumento obscurecido.

É certo que a sua necessidade vem sendo mencionado e destacada pelo Tribunal de Contas da União, a exemplo de seu Guia de boas práticas em contratação de soluções de tecnologia da informação, incorporando-se expressamente – com ênfase – nas normas do Regime Diferenciando de Contratação (RDC), Lei 12.462/11 em seu artigo 2º, III.

Nos termos do artigo 18, parágrafo 1º, o conteúdo do estudo técnico preliminar é o seguinte:

  • 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caputdeste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos:

 

I – descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público;

II – demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual, sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da Administração;

III – requisitos da contratação;

IV – estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala;

V – levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar;

VI – estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação;

VII – descrição da solução como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o caso;

VIII – justificativas para o parcelamento ou não da contratação;

IX – demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis;

X – providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual;

XI – contratações correlatas e/ou interdependentes;

XII – descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável;

XIII – posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina.

Se até então o estudo técnico preliminar, apesar de existir, e estar nominado de passagem na Lei 8666/93, era relegado a segundo plano, no mais das vezes esquecido, sendo adotado no âmbito da União, e ainda assim sem padrão preestabelecido, ficando a cargo de cada órgão definir seu conteúdo, fato é que doravante temos um cenário bastante distinto.

Primeiro, que a lei é enfática quanto a sua importância e obrigatoriedade; segundo que estabelece de forma categórica seu conteúdo, esmiuçando ao longo do parágrafo primeiro do artigo 18, em 13 (treze) incisos, o que deve conter, podendo ser desenvolvido, em certas circunstâncias, de forma mais singela, conforme estabelecido pelo parágrafo 2º do artigo 18:

  • 2º O estudo técnico preliminar deverá conter ao menos os elementos previstos nos incisos I, IV, VI, VIII e XIII do § 1º deste artigo e, quando não contemplar os demais elementos previstos no referido parágrafo, apresentar as devidas justificativas.

 

Com efeito, trata-se de documento com conteúdo técnico a ser construído com a somatória de esforços do setor requisitante, do setor de licitações e dos agentes de contratação que atuarão ao longo do certame, sendo necessário, ainda, a intervenção, por vezes, de profissionais de áreas de conhecimento específico, a depender do objeto pretendido.

Assim, a crítica que fica é no sentido do excesso de informações a serem coletadas e inseridas no documento, o que certamente contribuirá para a demora da conclusão dos certames.

Melhor seria se a Lei tivesse deixado espaço para a regulamentação estabelecer os requisitos do estudo técnico preliminar, ou mesmo se tivesse apresentado exigências para cada categoria de licitação, simplificando o estudo para os pregões, destinados a licitações de bens e serviços comuns, e fixando que a totalidade de seus requisitos se aplicaria para casos de objetos complexos ou para licitações de grande vulto.

Não tendo agido dessa forma, imagina-se que no futuro a exceção do parágrafo 2º do artigo 18 tende a se tornar regra, permitindo a simplificação (mesmo assim não será simples) do documento.

Nessa hipótese teríamos que o estudo técnico preliminar deveria conter, nessa versão “simplificada” ao menos (os incisos mencionados são do artigo 18, parágrafo 1º):

I – descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público: deve ser inserido nesse momento o que se pretende, justificando a necessidade e o motivo da contratação. Sempre que se pretende contratar algo, isso ocorre para suprir uma necessidade, uma demanda, um problema encontrado pelo órgão e que precisa ser resolvido. A ideia é vincular e esclarecer essa necessidade com o interesse público envolvido, pois sabidamente o poder público busca satisfazer o interesse da coletividade (do público).

A título de exemplo temos: necessidade de compra de material escolar para os alunos da rede pública. Pretensão: comprá-lo, respeitando as descrições apresentadas que seguem as necessidades dos alunos. Interesse Público: é dever do Município prover o ensino básico da população. A compra do material escolar com as descrições apresentadas satisfaz esse interesse.

IV – estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala: no momento que se apresenta a necessidade da contratação, é fundamental quantificá-la. Isso permitirá evitar prejuízos, desvios, dentre outros. Essas quantidades, no entanto, não são aleatórias, devendo ser acompanhadas de justificativas (memórias de cálculo e documentos que lhe dão suporte).

A lei estabelece também a necessidade de que se considere a interdependência com outros ajustes, o que exige ampla comunicação dos setores para conhecimento dos diversos procedimentos e ações que possam impactar o objeto.

Usando o mesmo exemplo anterior temos: é pretensão da administração a compra de material escolar. A quantidade a ser comprada deve considerar os alunos regularmente inscritos/matriculados na rede escolar; deve considerar também uma margem de reserva para reposição do material extraviado, perdido ou danificado pelo uso; deve também fixar quantidade para alunos que se inscreverão/matricularão ao longo do ano; deve pesquisar e eventualmente considerar a aquisição de outros produtos correlatos, ou mesmo a doação destes, ou o recebimento de material e livros de programas governamentais em curso (interdependência de outras contratações).

 VI – estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação: a exigência merece considerações preliminares.

Afora isso, temos que a rigor estamos diante da estimativa de preços, exigência da fase preliminar da licitação, nos termos do artigo 18, IV e que ao depois recebe as regras de execução do artigo 23 e 24. Até aí tudo bem. Será necessário, não se nega, realizar a estimativa do valor da contratação, e esta deverá ser inserida no processo, até mesmo para guiar a decisão de licitar e depois a análise das propostas, para verificar sua adequação com os preços de mercado.

A crítica está em exigir que essa estimativa se faça e esteja inserida no primeiro documento produzido, o estudo preliminar. Isso porque neste momento – preliminar – a administração está preparando e estudando os contornos do objeto, que depois, na sequência será aprimorado no anteprojeto, no termo de referência, no projeto básico e executivo (artigo 18, II). Assim, parece-nos ser prematura a exigência, que se atendida nessa oportunidade servirá inclusive para negar a sequência lógica estabelecida no artigo 18 da Lei 14.133/21, que posiciona a estimativa de preços em momento posterior a este.

A rigor, e a bem da verdade, não temos sequer o objeto definido, de forma que torna-se difícil obter com a precisão necessária a estimativa do valor da contratação e realizá-la com os critérios exigidos pelo artigo 23.

Destarte, parece-nos que nesse momento do processo, deve-se instruí-lo com os elementos disponíveis sobre o assunto, que servirão para, na sequência, auxiliar na efetiva pesquisa de mercado (o TCU, em decisão do Min. Raimundo Carreiro, Acórdão 356/2000, traz interessante consideração técnica do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas que orienta o local do procedimento de planejamento que melhor confere precisão ao orçamento das obras. A conclusão óbvia indica que quanto mais informações sobre o objeto, mais seguro e fidedigno será o orçamento, indicando que melhor será sua confecção após concluída toda a definição do objeto, com a existência do projeto executivo. Antes disso, entende o estudo, agrega-se insegurança ao orçamento quanto mais incipiente for a definição dos contornos do objeto almejado).

VIII – justificativas para o parcelamento ou não da contratação: em diversos preceitos a lei estimula o parcelamento das contratações. Assim, quando trata das compras e dos serviços estabelece que ele consiste em um princípio a ser buscado (artigos 40, V, “b” e 47, II). Com isso, é necessário que o estudo técnico preliminar estabeleça justificativas para a escolha feita, sempre seguindo as regras estabelecidas pela Lei (artigo 40, parágrafos 2º e 3º para compras e artigo 47, parágrafo 1º para serviços)

Lembre-se que em determinadas situações essa exigência se apresentará desnecessária, e mesmo desaconselhada, devendo a evolução do estudo indicar a cada caso como conduzir. Haverá circunstâncias em que o estudo sequer a mencionará, o que não deve ser entendido, de antemão, como ausência de reflexão a respeito, merecendo contextualização.

XIII – posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina: por fim, a exigência do inciso XIII que carrega uma situação óbvia, qual seja a necessidade de posicionar conclusivamente no sentido de que a escolha é a mais adequada para atender a necessidade a que se destina. Dizemos óbvia porque se é feita a escolha nos termos definidos, espera-se que seja a melhor opção dentre as existentes, daí estar subentendido que se projeta a licitação com esse objeto. A par disso, a exigência deve ser respeitada, constando do documento.

Por fim, anote-se que o comando do artigo 18, parágrafo 3º, contém regra de difícil intelecção:

  • 3º Em se tratando de estudo técnico preliminar para contratação de obras e serviços comuns de engenharia, se demonstrada a inexistência de prejuízo para a aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados, a especificação do objeto poderá ser realizada apenas em termo de referência ou em projeto básico, dispensada a elaboração de projetos.

 

A nosso ver a intenção da regra é facilitar e simplificar a definição do objeto em contratos de obras e serviços de engenharia quando isso for possível. Assim, se o estudo técnico preliminar indicar que a simplificação não trará prejuízos ao fim colimado, projetos detalhados poderão ser dispensados, ficando a definição do objeto adstrita ao termo de referência e ao projeto básico.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *