Nova Lei de Licitações – Orçamento Estimado – Pesquisa de Preço – Marcelo Palavéri.
Muito se tem afirmado a respeito dessa etapa do procedimento preparatório da licitação, sendo certa a dificuldade em que consiste estabelecer com precisão adequada o montante estimado do futuro contrato.
Até então, sob a égide da Lei 8.666/93, e da Lei 10.520/02 a obrigatoriedade de sua existência decorria mais de uma leitura sistemática dos preceitos que de regra autônoma e expressa nesse sentido, sendo que no âmbito federal podemos dizer que a matéria passou a ser normatizada por instruções, a mais recente a IN 73/2020, cujos parâmetros foram incorporados pela Lei 14.133/21.
Algumas vezes asseverou-se a obrigatoriedade de se promover uma estimativa do valor do futuro contrato, mediante pesquisa de preços, com fundamento no art. 15 da Lei 8.666/93.
Na verdade, o art. 15 da Lei 8.666/93, no seu inciso V, concedia indícios de que os preços das compras a serem efetuadas deveriam balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública. Esses indícios eram reforçados pelo § 1º, do mesmo artigo, o qual, no entanto, aplicava-se apenas para o sistema de registro de preços, estando expresso no sentido de que esse registro será precedido de ampla pesquisa de mercado.
Isso, no entanto, nunca eliminou a obrigatoriedade dos valores dos futuros ajustes serem estimados, e de se fazer a prévia pesquisa de preços para o futuro certame, exigência que exsurgia de um contexto mais amplo, decorrendo de um conjunto de regras da Lei 8.666/93, a saber:
– art. 7º, parágrafo 2º, II – por essa norma, exige-se para obras e serviços que a licitação seja precedida de “orçamento detalhado em planilhas que
expressem a composição de todos os seus preços unitários”, o que pressupõe uma pesquisa de preços de mercado para se alcançar o valor estimado do objeto;
– art. 15, V e parágrafo 1º – o primeiro desses preceitos dá indícios de que as compras devam ser precedidas de pesquisa de preços, sendo que o segundo afirma categoricamente sua necessidade. Essa norma, contudo, é aplicável apenas ao sistema de registro de preços;
– art. 23, I e II e art. 24, I e II – por esses artigos definem-se as faixas de valores das modalidades licitatórias (dispensa, convite, tomada de preços e concorrência), as quais variam de acordo com o valor estimado para o futuro contrato. Por óbvio, se é necessário estimar-se o valor do futuro ajuste, para se saber qual a modalidade a ser adotada, nada mais lógico que isso se faça mediante prévia pesquisa de preços de mercado do objeto almejado. Assim, pesquisam-se os preços, estima-se o valor do futuro ajuste, escolhendo-se a modalidade de licitação a ser empregada, ou verificando se esta será dispensada em face do diminuto montante do contrato;
– art. 40, parágrafo 2º, II – constitui anexo do edital, obrigatoriamente, “o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários”. Esse orçamento, como já se asseverou, nada mais é que a pesquisa prévia de preços de mercado; e
– art. 43, IV – no julgamento do certame, por esse preceito, é obrigatório que a comissão de licitações, após verificar o atendimento aos requisitos do edital, compare os preços oferecidos pelos licitantes com aqueles correntes no mercado, ou fixados por órgão oficial competente. Desse modo, é pressuposto dispor dos preços de mercado, reforçando a ideia da necessidade de prévia pesquisa.
A prévia pesquisa de preços, portanto, sempre se apresentou como elemento essencial para o procedimento preparatório do certame, podendo se afirmar sua obrigatoriedade mesmo diante da ausência de norma expressa, em face da intelecção dos preceitos mencionados.
Entendimento nesse sentido foi corroborado pelos tribunais. Decidiu o Tribunal de Contas da União que “A jurisprudência do TCU é no sentido de que antes da fase externa da licitação há que se fazer pesquisa de preço para que se obtenha, no mínimo, três orçamentos de fornecedores distintos. (Acórdão nº 4.013/2008 – TCU – Plenário, Acórdão nº 1.547/2007-TCUPlenário)”.
Também o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo vem se manifestando no sentido de que “É pacífico o entendimento de que a pesquisa prévia de preços em, pelo menos, três orçamentos de fornecedores distintos, é peça fundamental em qualquer procedimento licitatório, devendo ser ampla e detalhada em planilhas contendo o preço unitário atual de cada produto e/ou serviço cotado, o que não ocorreu no presente caso.” (TC 015588/026/14 – Auditor Josué Romero – DOE 05.09.2017), admitindo ser possível a administração recorrer a outros meios de pesquisa para a verificação da compatibilidade dos preços ofertados, podendo por exemplo valer-se de tabelas de preços estabelecidas periodicamente por entidades de classe ou representativas, observada a especificidade dos serviços[1].
Em que pese de longa data ser considerada obrigatória a estimativa dos preços, inexistia na legislação pretérita definição de forma prévia de sua formalização, podendo se afirmar ainda sua ocorrência por diversos
mecanismos, sendo imperiosa apenas a sua existência.
Nesse diapasão, salvo exceções, e preferências subentendidas ou explícitas[2] não se objetava pesquisas de preços que adotassem por base os últimos fornecimentos do produto pretendido, verificando-se o preço médio das últimas compras, reproduzindo esse valor no documento de requisição, mencionando-o como valor estimado para o futuro ajuste. De igual modo, não se desconsiderava existir pesquisa de preços quando, por exemplo, o setor de obras da Prefeitura Municipal adotasse como parâmetro preços de revistas especializadas, ou de tabelas de preços largamente conhecidas no ramo (por exemplo “Revista Construção”, tabela PINI etc.).[3]
Esses mecanismos, ao longo do tempo, foram no mais das vezes considerados hábeis a demonstrar uma efetiva pesquisa de preços, e mesmo não refletindo um procedimento clássico (ortodoxo) de consulta efetiva ao mercado, não deixaram de ser desconsiderados para os fins pretendidos pela Lei 8.666/93.
Com isso, nesse contexto, a dificuldade natural de se estabelecer os valores estimados ampliava-se diante da ausência de norma disciplinadora do procedimento, deixando o administrador desorientado acerca de como proceder.
O artigo 23 da Lei 14.133/21, em que pese mereça algumas críticas, em face de escolhas realizadas, tem como ponto positivo gerar segurança à administração no desempenho de sua missão de aferir os preços estimados do futuro contrato.
Com efeito, estabelece um procedimento a seguir, gerando ao menos nesse aspecto um roteiro seguro de como fazer.
Permanece, contudo, a dificuldade fundamental, que acreditamos não tenha como ser resolvida por norma legal, qual seja a dificuldade de comparação entre preços públicos e preços praticados nas relações privadas.
Essa dificuldade decorre:
- Da diferença entre os regimes jurídicos para a contratação, uma vez que no regime público a administração é contemplada com faculdades a seu favor (prerrogativas), destacadamente as do artigo 104, o que gera naturalmente custos mais elevados de transação; e
- Da dinâmica do pagamento adotado pela administração pública, que burocratiza sobremaneira o procedimento, e dos aspectos de restrição orçamentária e financeira, que redundam em atrasos exagerados, contribuindo para que a iniciativa privada de antemão eleve os preços cobrados.
Conforme mencionado, se o artigo 23 não resolve por completo o problema, ao menos confere uma maior segurança procedimental. Diz a norma:
Art. 23. O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.
- 1º No processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, conforme regulamento, o valor estimado será definido com base no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâmetros, adotados de forma combinada ou não:
I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no painel para consulta de preços ou no banco de preços em saúde disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP);
II – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;
III – utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e hora de acesso;
IV – pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital;
V – pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.
- 2º No processo licitatório para contratação de obras e serviços de engenharia, conforme regulamento, o valor estimado, acrescido do percentual de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) de referência e dos Encargos Sociais (ES) cabíveis, será definido por meio da utilização de parâmetros na seguinte ordem:
I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente do Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), para serviços e obras de infraestrutura de transportes, ou do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices de Construção Civil (Sinapi), para as demais obras e serviços de engenharia;
II – utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e a hora de acesso;
III – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;
IV – pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.
- 3º Nas contratações realizadas por Municípios, Estados e Distrito Federal, desde que não envolvam recursos da União, o valor previamente estimado da contratação, a que se refere o caputdeste artigo, poderá ser definido por meio da utilização de outros sistemas de custos adotados pelo respectivo ente federativo.
- 4º Nas contratações diretas por inexigibilidade ou por dispensa, quando não for possível estimar o valor do objeto na forma estabelecida nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo, o contratado deverá comprovar previamente que os preços estão em conformidade com os praticados em contratações semelhantes de objetos de mesma natureza, por meio da apresentação de notas fiscais emitidas para outros contratantes no período de até 1 (um) ano anterior à data da contratação pela Administração, ou por outro meio idôneo.
- 5º No processo licitatório para contratação de obras e serviços de engenharia sob os regimes de contratação integrada ou semi-integrada, o valor estimado da contratação será calculado nos termos do § 2º deste artigo, acrescido ou não de parcela referente à remuneração do risco, e, sempre que necessário e o anteprojeto o permitir, a estimativa de preço será baseada em orçamento sintético, balizado em sistema de custo definido no inciso I do § 2º deste artigo, devendo a utilização de metodologia expedita ou paramétrica e de avaliação aproximada baseada em outras contratações similares ser reservada às frações do empreendimento não suficientemente detalhadas no anteprojeto.
- 6º Na hipótese do § 5º deste artigo, será exigido dos licitantes ou contratados, no orçamento que compuser suas respectivas propostas, no mínimo, o mesmo nível de detalhamento do orçamento sintético referido no mencionado parágrafo.
[1] “Com efeito, a documentação ofertada evidenciou que foi elaborado o orçamento detalhado em planilhas contendo a composição dos custos unitários apta a permitir a aferição da compatibilidade dos preços praticados no ajuste com a média do mercado. Registro que os preços orçados tiveram por base tabelas oficiais de preços como CPOS e SINAPI, entre outras, há muito aceitas por esta Corte como fonte de informações fidedignas.” TC 04016.989.15-4 – Conselheiro-Substituto Antonio Carlos dos Santos – DOE 10.03.2016.
[2] O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo por vezes deixou claro entender ser o mais adequado a apresentação de preços de parâmetro mediante pesquisa formal junto a 03 (três) fornecedores. O Tribunal de Contas da União, mais recentemente vem entendendo ser mais adequado o comparativo com contratações similares, ou com preços setoriais, utilizando-se a pesquisa direta com fornecedor somente quando não for possível a adoção dos critérios anteriores (TCU Acórdão 3395/2013, e acórdão 713/2019).
Nessa esteira, por oportuno, a decisão do Tribunal de Contas da União no sentido de que “os sistemas oficiais de referência da administração pública reproduzem os preços de mercado, e por gozarem de presunção de veracidade, devem ter precedência em relação à utilização de cotações efetuadas diretamente com empresas que atuam no mercado” (Acórdão 452/2019 Plenário).
[3] “Com efeito, a documentação ofertada evidenciou que foi elaborado o orçamento detalhado em planilhas contendo a composição dos custos unitários apta a permitir a aferição da compatibilidade dos preços praticados no ajuste com a média do mercado. Registro que os preços orçados tiveram por base tabelas oficiais de preços como CPOS e SINAPI, entre outras, há muito aceitas por esta Corte como fonte de informações fidedignas.” TC 04016.989.15-4 – Conselheiro-Substituto Antonio Carlos dos Santos – DOE 10.03.2016.
“- também restaram esclarecidos os apontamentos alusivos aos preços estimados, uma vez que a previsão de custos foi elaborada com base nas importâncias praticadas no mercado, divulgadas pela Revista de Construção de São Paulo (Edição Pini).
…
Devidamente esclarecidos os óbices em questão, entendo constituíram falhas formais incapazes de macular os procedimentos adotados pela Municipalidade de Caieiras, quando da formalização da licitação e do contrato.
Nessa conformidade, com base nos pareceres favoráveis da Chefia da Assessoria Técnica (fls.259) e da Secretaria Diretoria Geral (fls.250/ 253) considero em boa ordem os procedimentos aqui examinados, sem prejuízo da recomendação alvitrada por SDG ao final do Relatório. Isto posto, JULGO REGULARES a Tomada de Preços e o Contrato.” TC 035625/026/05 – Cons. Rel. Dr. Eduardo Bittencourt de Carvalho – DOE 27.03.2007